quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Crônicas Coloridas II

II - Ilusão

          Impaciente e sozinho na fila da balada, barba feita, jeans apertado, uma correntinha pra dar uma diferenciada, o cabelo pra cima e o ego inflado.

          "— Sério, o que eu tô fazendo aqui sozinho?" Se pergunta em tom irônico mas já sabe da resposta, corajoso até certo ponto, medroso demais para encarar o monstro do 'sábado-a-noite-sozinho'. Antes uma fila cheia de viados chatos e espalhafatosos, das figurinhas repetidas que batem cartão na noite, do que o sem-som infinito do seu apartamento e o tratamento de gelo do seu travesseiro.

          Ao menos quando entrar na pista de dança … ah! a pista de dança! … lá o mundo se apaga , lá a homofobia vira neon, o salário ruim vira gelo seco, e as invejas viram álcool.

          Dança a noite toda, muito porque quer, mas muito mais porque precisa, precisa se sentir vivo, precisa que olhem pra ele com volúpia, precisa do desejo.

          E sabe muito bem que aquela pista é sua torre e sua prisão, que o DJ é a bruxa má que lhe enfeitiça e o segurança é o dragão, e espera, espera enquanto o príncipe encantado não chega, embora pense que se fosse ele o príncipe, não valeria a pena o risco.

          Mais um gole de absinto, mais um passo em direção ao mundo mágico dos bêbados, mais parecidos com o príncipe vão ficando os ogros, será que dá pra diferenciar?

          E quando o sol invade e derrete seu mundinho, olha pros lados e percebe-se sozinho, de novo atrasou-se o sr. príncipe, de novo machucou-se a sra. princesa.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Crônicas Coloridas

I — Dinheiro

          A toalha felpuda passa lentamente pelos braços, pelas pernas, mais uma vez pelos cabelos, levando as gotas que resistiram, acariciando os póros abertos, suprindo a necessidade das carícias de um corpo acostumado às pancadas, ao insensível. O plug se conecta na tomada e o velho secador de cabelos começa a urrar transpassando o ar úmido e sufocante de sua casa apertada, a escova passa modelando e fixando os cabelos para cima, a chapinha e a pomada auxiliam.

          Veste sua cueca Calvin Klein, falsa, mas o que importa é o 'truque', sua calça jeans apertada, toma quase outro banho de perfume, enfia às pressas a camiseta ainda mais justa, estilo gola v, eles já estão lhe esperando, impacientes.

          Há alguns minutos soava a buzina do belo Crossfox preto à porta de sua casa, as vizinhas que trocavam recalques e venenos em voz baixa, sorrateiras como cobras, acompanham o desenrolar, desconhecem o carro, desconhecem a perspectiva.

          Tranca a porta do quarto e desce as escadas, guarda a vergonha no bolso traseiro junto com as chaves, o orgulho ferido e a auto estima baixa não dá pra guardar, mas também não dão na vista, e no fim das contas quem se importa com o que não dá na vista?

          Abre a porta da rua, olha as vizinhas nos olhos e sente na boca o gosto amargo do julgamento, ou seria o sangue? — Aquele dente do ciso maldito!

  Tranca a porta da rua, gira 180 graus abre a porta do carro e entra. Que fiquem as vizinhas perplexas, a rotina urge!... assim como os cobradores.